outubro 31, 2005

Há Palavras que nos Beijam


Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte

Alexandre O'Neill

outubro 30, 2005

Depois do Amor


Cai sobre os amantes
como diáfano manto
uma doce serenidade
depois do amor…

É como se tudo parasse
e nada mais existisse
no momento em que suspensos
ficam o mundo, as dores
e o tempo

Serenidade…
só a serenidade emana
dos corpos amantes
depois do amor
depois da explosão
que tudo aquietou.

Ângela Santos

outubro 29, 2005

Sonhos


Mil sonhos que eu sonhei e não vivi,
mil estradas que eu vivi sem caminhar,
mil estrelas que eu vi mas não senti,
mil beijos que eu senti sem nunca dar…

Quimeras que na mente se criaram,
tão doces e suaves como pluma,
miragens que da alma me voaram,
tão breves e tão frágeis como espuma…

A vida feita assim foi utopia,
a vida foi assim uma falsidade,
mas foi por mim vivida dia a dia,

pensando que a mentira era verdade.
E hoje já liberta da magia,
dos sonhos meus, amor, tenho saudade…

Ernesto Nunes

O Palhaço


Ontem, viu-se-lhe em casa a esposa morta
E a filhinha mais nova, tão doente!
Hoje, o empresário vai bater-lhe à porta,
Que a plateia o reclama, impaciente.

Ao palco, em breve surge... pouco importa
O seu pesar àquela estranha gente...
E ao som das ovações que os ares corta,
Trejeita, canta e ri, nervosamente.

Aos aplausos da turba, ele trabalha
Para encontrar no manto em que se embuça
A cruciante angústia que o retalha.

No entanto, a dor cruel mais se lhe aguça
E enquanto o lábio trémulo gargalha,
Dentro do peito o coração soluça

P. António Thomaz

outubro 28, 2005

Entre os Teus Lábios


Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha

Eugénio de Andrade

outubro 23, 2005

Á "Minha" Mãe


Ao despedir-se de seu filho
quando o trazia em seu peito
enquanto era pequenino
dos braços fazia um leito
e embalava o menino

Segurava-me com tanta forca
que o coração lhe rompia
seu sangue transformou em leite
no milagre do amor e da alegria

Milagre que já as virgens
de coração puro e inocente
é vaga no seio da raça
futuro na vida presente

Quando do colo eu descia
para os passos me ensinar
agarrava-me as mãozinhas
levando-me sempre a tentar

Dizia para me animar,
anda meu filho, tem-tem
e eu avançava aos passitos
já com ar de ser alguém

Depois cresci, fiz-me homem
em robustez e bondade
e hoje revejo-me feliz
nessa minha infantilidade

Pediu sempre a Deus, orando...
acompanhai-o e protegei-o Senhor
ajudai o meu filhinho
que de todos seja o melhor

Era eu já um moço
o mais novo e dos mais fortes
coube-me também a emigrar
para enfrentar as minhas sortes

Dizia para animá-la,
sossegue mãe, não há perigo.
eu vou viver a recordá-la,
estará sempre na alma comigo

Hoje, tenho dois amores no Mundo
quero-os mais que a ninguém
Um deles é algo profundo,
o outro é a minha Mãe

As ideias dos filhos
das pobres Mães são torturas
se te dei ou dou alegrias
também te trouxe amarguras

Nas penas e desgostos que dei
nas saudades que se deixa
minha Mãe, chora baixinho
de dor...,mas nunca se queixa

Vai, meu filho Deus te acompanhe
esta dor eu te perdoo,
vai, segue o teu destino,
das minhas mãos te abençoo

Mãe, se acontecer desgraça,
seja este o beijo derradeiro
pedirei a Deus que faça
com que morra eu primeiro

E, vá depressa voando
antes que tu apareças
a preparar-te nos céus
o caminho com que adormeças

Como hás-de revoltar-te
nestas horas de agonia
no sofrimento profundo
da própria Virgem Maria

Também se sacrificou
pelo filho a penar
para que Cristo pudesse
morrendo, aos outros salvar

Das Mães é este o destino
quando nos trazem no seio
vem sempre a vez de fugir
e, então o filho tem anseio

Dizes..., que se eu cá morrer
Deus o quer pois seja assim
talvez morra os outros defendendo
mas também morre por mim

Mãe, quando fores rezar,
reza com devoção e sem fim
e, se te lembrar
pede à Virgem por mim

Mãe, onde quer que te encontres
eu penso em ti um pouquinho
faço dos meus olhos duas fontes
e recordo-te com muito carinho

M. Félix

outubro 22, 2005

É urgente o Amor


É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade

outubro 21, 2005

Procuro


Procuro em vão no meio da multidão,
alguém que me dê a mão,
que me guie na escuridão.

Alguém que saiba me amar,
que nunca me faça chorar,
que seja meu companheiro e
que saiba ser verdadeiro.

Alguém que me ensine a sorrir,
que nunca me queira iludir,
que tire de mim os espinhos e
me mostre um novo caminho.

Que traga na mão uma flor e
enxugue estas lágrimas de dor.

Alguém que me traga esperanças,
que goste também de crianças.

Que assim como eu, nesta vida,
também sofra por amor.

Procuro alguém para reencontrar a
felicidade…


(Autor Desconhecido)