novembro 30, 2005

Saudade


Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não se foi embora, mas a pessoa amada sim...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
"aquela que nunca amou."
E esse é o maior dos sofrimentos: não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.
O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido...

Pablo Neruda

novembro 29, 2005

Bailando com a Chuva


Lá fora... cai a chuva indiferente
dançando nua, gelada e ondulante
invade-me o seu frio penetrante
e ensopa-se a minha alma lentamente

Baila com a chuva o meu imaginário
a valsa de ontem, memórias esquecidas
rodopiam sonhos, paixões adormecidas
pecados inconfessos, segredos dum diário

É um bailado grotesco, alucinante
vertiginoso, cruel, fantasmagórico
a um só tempo deprimente e eufórico
sombras chinesas numa tela esvoaçante

Lá fora...cai a chuva persistente
já mal a ouço, absorta em devaneio
de alma alagada, mente náufraga, sem freio
meu corpo enrodilhado e indolente

Lá fora... pára a chuva de repente!
E um odor a seiva, a pão, terra molhada
enxuga-me a alma e faz brotar a gargalhada
que devolve à vida o meu corpo já dormente

Nas asas do vento morno o passado foge
do porão da alma eu tranco as escotilhas
mudo o cenário, troco as sapatilhas
e volto para o palco, bailarina de hoje!

Carmo Vasconcelos

novembro 28, 2005

O Que Há


O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos

novembro 27, 2005

O Destino

Quando alguém julga ser alguém na vida
e sente que tem tudo a seu favor,
dinheiro, a saúde e o amor,
e sempre a todos leva de vencida…

Quando alguém passa os dias sem uma dor,
um ai sequer, queixume ou uma caída,
sem ter uma só noite mal dormida,
e tudo lhe sorri como uma flor…

De certo que esse alguém é bem feliz,
em seu viver alegre como um hino,
mas não esqueça, não, que por um triz,

Um sopro, um desígnio divino,
tudo pode ruir pela raiz,
e inverter-se logo o seu destino…

Ernesto Nunes

novembro 26, 2005

Sonho Louco...


Com sabor de pecado,
Lembrei dos teus lábios
Tão loucos e envolventes
Com sede de amar ...

Quis estar ...
Quis poder me entregar.

Num sonho sem formas,
Mergulhei em teu braços
Esqueci o cansaço
(saudades de amar)....

Quis te amar:
E a você, me entregar .

Num grito mais forte,
(ironia ou sorte)
pude ser quem eu quis:
amá-lo por inteiro e
por instantes ser feliz !!


Márcia Camargo

novembro 25, 2005

Devaneios


Rolo na cama
Não consigo dormir
Fecho os olhos
Vejo você...
Levanto
Caminho na casa
Bebo uma água
Abro a porta
Olho pra lua
Penso em você...
Volto pro quarto
Acendo a luz
Abro um livro
Não consigo ler
Visualizo você...
A cama vazia
Grande e fria
Abraço meu travesseiro
Sinto você...
O dia amanhece
Olhos cansados
Cabeça pesada
Cadê você?
Abro a janela
Contemplo a rua
Vejo o sol
A mente viaja
...e vai de encontro a você!

Ângela Bretas

novembro 24, 2005

E Aprendemos


Após um tempo,
Aprendemos a diferença subtil
Entre segurar uma mão
E acorrentar uma alma,
E aprendemos
Que o amor não significa deitar-se
E uma companhia não significa segurança
E começamos a aprender...
Que os beijos não são contratos
E os presentes não são promessas
E começamos a aceitar as derrotas
De cabeça levantada e os olhos abertos
Aprendemos a construir
Todos os seus caminhos de hoje,
Porque a terra amanhã
É demasiado incerta para planos...
E os futuros têm uma forma de ficarem
Pela metade.
E depois de um tempo
Aprendemos que se for demasiado,
Até um calorzinho do sol queima.
Assim plantamos nosso próprio jardim
E decoramos nossa própria alma,
Em vez de esperarmos que alguém nos traga flores.
E aprendemos que realmente podemos aguentar,
Que somos realmente fortes,
Que valemos realmente a pena,
E aprendemos e aprendemos...
E em cada dia aprendemos.

Jorge Luís Borges

novembro 23, 2005

Beijo


Quando os lábios se tocaram, não restou dúvidas,
não restou razão, sobrou emoção e amor.
A aproximação tímida, tornou-se íntima,
convidativa, irrecusável.

Toda as dúvidas e apreensões de ambos evaporaram.
Corpos próximos, coração acelerado,
respiração entrecortada,
olhos fechados.

Línguas em uma suave carícia,
linda, lenta, interminável.
Medo, satisfação, loucura.
O definido confundiu-se,
e o confuso, definiu-se.

Era tudo incerto,
nublado, embaçado.
Todavia, correcto.
Feio? Pecado? Vulgar?
Não... nada disso... era amar!!...

Andréa Borba Pinheiro

novembro 22, 2005

Memórias Esquecidas


São meras palavras
Ditas pelo vento
Quando não estás

Cai em mim a noite
Sinto o momento
Olho p´ra trás

Palavras perdidas, ficam por dizer
Perco a razão
Memórias esquecidas, sinto-me perder
Tudo é ilusão

Se eu sentir que não sou capaz
De enfrentar marcas do passado
É porque tu nem sempre me dás
A certeza de querer estar a meu lado
Oh, a meu lado

Quando desabafo
Os meus sentimentos
Não posso mais

Aguentar estar calado
Esconder momentos
Eu quero mais

Palavras perdidas, ficam por dizer
Perco a razão
Memórias esquecidas, sinto-me perder
Tudo é ilusão....


Mérito Ramos

novembro 21, 2005

Coração de Pedra


Oh, quanto me pesa
este coração, que é de pedra!
Este coração que era de asas
de musica e tempo de lágrimas.

Mas agora é sílex e quebra
qualquer dura ponta de seta.

Oh! como não me alegra
ter este coração de pedra!

Dizei por que assim me fizestes,
vós todos a quem amaria,
mas não amarei, pois sois estes
que assim me deixastes, amarga,
sem asas, sem musica e lágrimas

assombrada, triste e severa
e com meu coração de pedra!

Oh, quanto me pesa
ver meu próprio amor que se quebra!
O amor que era mais forte e voava
mais que qualquer seta

Cecília Meireles

novembro 20, 2005

Canção


Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
cobre as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles

novembro 19, 2005

Me Sinto Assim


Me sinto assim
pronta pra você
pros teus carinhos
pros teus anseios

Me sinto assim
corpo e alma desnudos
dos preconceitos
só pra você

Me sinto assim
inteira, verdadeira
me entrego a você
nada mais me importa,
só você...

Cássia Vicente

novembro 18, 2005

Despertei


Aquela hora em que o silêncio
Já se instalara terminantemente
Despertei
Ao redor tudo dormia
Você assaltou meu pensamento
Muitas indagações, muitas dúvidas
Você estava lá, acordado
Entrou sem pedir licença
Riu e zombou da minha insensatez
O silêncio agora me incomodava
No escuro do meu quarto
Passeavam incertezas
Nos anéis de fumaça
Vi sua face
Chorei em silêncio
Desperta e só
Em posição fetal
Me acomodei
Esperando amanhecer

Angélica Teresa Almstadter

novembro 17, 2005

Sem Limites


Por um momento
meu corpo foi tua morada,
teu pedaço de paraíso,
fonte da juventude, pura de prazer,
sem limites...
Por um momento
teu corpo foi meu refúgio,
meu palmo de inferno,
poço de desejos recebidos
sem limites...
Por um momento
nossos corpos
ultrapassaram conceitos,
navegamos em ondas explícitas
sem limites...
Por um momento
desfeitos de emoções
refeitos de carinhos
satisfeitos
bebemos desta fonte
mergulhamos neste poço
descobrimos néctares
sem limites...

Ângela Bretas

novembro 16, 2005

Aquele Navio


Estava sentada, na tarde de estio,
Na beira da praia, olhando pro mar...
Ao longe avistei um enorme navio
E no encantamento me pus a cismar:

Que lindo navio!... Que histórias contém?...
Os seus passageiros, felizes serão?...
Que mares cruzou?... De que porto provém?...
P’ra onde ele vai?... Que subtil sedução..

Que linda viagem minh'alma advinha...
Por que não partir e viver a aventura?...
Rever minha vida tão triste e sozinha
Há tanto sonhada, de amar com loucura...

Naquele navio... viajar sem destino...
Sair do meu mundo que é tão pequenino...

Gladis Lacerda

novembro 15, 2005

Solidão


Solidão não é a falta de gente para conversar,
namorar, passear ou fazer sexo :
isso é carência.

Solidão não é o sentimento que experimentamos
pela ausência de entes queridos
que não podem mais voltar :
isso é saudade.

Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe,
às vezes, para realinhar os pensamentos :
isso é equilíbrio.

Tampouco é o claustro involuntário que o destino
nos impõe compulsoriamente, para
que revejamos a nossa vida:
isso é um princípio da natureza.

Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado:
isso é circunstância.

Solidão é muito mais que isso.

Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos
e procuramos, em vão, pela nossa Alma.

Fátima Irene Pinto

novembro 14, 2005

Amor é um Fogo que Arde sem se Ver


Amor é um fogo que arde sem se ver
É poder sonhar sempre acordado;
É ter em minha alma, aconchegado,
Teu corpo e a essência de teu ser.

É ter-te ainda para além de ter,
Sem saber onde começo ou acabo;
E tu me teres e eu em mim te trago,
E não há dor que mate este prazer.

É ter a tua mão dentro da minha,
É onde a alma tu foste pôr
Para que ao meu coração te leve.

É este incêndio que em mim caminha,
Arde nas veias e no teu rubor,
É ser eterno ainda que breve.

António Simões (Adap. De Luiz Vaz de Camões)

novembro 13, 2005

Me Ame Assim...


Sua boca...
Seu cheiro...
Seus beijos...
Suas mãos...
Sua voz...
Sua barba...
Roçando minha pele
Me arrepiando de desejos...
Seu jeito de sorrir
De me amar
De me sentir
Me levando às nuvens...
Me carregando em seus braços...
Com carinhos e cuidados...
Com um brilho no olhar...
Com a paixão a palpitar...
Me dá vontade de ficar,
Para sempre...
Juntinhos
Só nós dois... sozinhos
Me queira sempre assim...
Com um amor que não tem fim...
Como um sonho bom da vida...
Que me presenteou com você...
Sarando assim minha ferida!

Ângela Bretas

novembro 12, 2005

Metade Ideal

Amei-te porque em ti, minha impetuosidade encontrou refreio
Porque tua doçura retemperou a intrepidez dos meus anseios
E tua serenidade mesclou de paz meu turbilhão.
Aprendi contigo que o silêncio, às vezes é de ouro
Na tua quietude descobri mais um tesouro
E na tua disciplina, a sábia voz de um pai ou um irmão.
Amei o encanto da tua fala, a magia do teu sorriso
Amei o teu retrato, a tua prudência e até a tua timidez
Amei o teu jeito único
E mil vezes eu te amaria outra vez.
Humana, também amei o invólucro que aninha teu ser
E assim, amei teu corpo, teus olhos, teu cheiro
Amei em ti o que não morre, e o que em ti, há de perecer.
Já não questiono se tua ausência é um bem ou um mal
Apenas submeto-me passiva, ao traçado do meu destino
Que aparta-me de ti e me priva da minha METADE IDEAL.


Fátima Irene Pinto

novembro 11, 2005

Quase Tudo


Foste entrando sem pedires
E marcaste o teus sinais
Tatuaste a minha vida
Ferro e fogo e muito mais
Vasculhaste os meus segredos
e eu deixei
sem reverdes nem pudor

Invadiste os meus sentidos
o qu'eu não fiz por amor
e deixaste a minha vida
mãe perdida
Neste beco sem saída

Dei-te quase tudo
e quase tudo foi demais
dei-te quase tudo
Leva agora os teus sinais

Obrigaste-me a quebrar todas as leis
e deixaste-me ao sabor da loucura
dei-te os dedos e os anéis
E o que tinha de melhor

Paulo Gonzo

novembro 10, 2005

Ato de Amar


Sentir na pele a paixão explodir
Num êxtase sem igual
Dois corpos unidos
Trémulos de ardor
Duas vidas entregues
Sem receio
Ou pudor
Ao ato total
Loucuras do amor
Prazer e ternura
Fortemente presente
Duas almas tão puras
Indecentes
Inocentes
Carentes
Entregues ao ato de completa fissura
Respiração ofegante
Gemidos ocultos
Suor escorrendo
Pele ardente
Latejante
Pulsante
A sensação que se sente
Que momentos assim
Repletos de tamanha emoção
Só acontecem
Plenamente
Realmente...
quando o amor está presente!

Ângela Bretas

novembro 09, 2005

Lágrimas Ocultas


Se me ponho a cismar em outras eras
em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim

Florbela Espanca

novembro 08, 2005

Teu beijo


Teu beijo
é doce,
charmoso,
gostoso,
ternamente cheio de amor.
Inesquecível, eu sei!
Dele tenho lembrança,
dele tenho saudade,
dele tenho o sabor
para todos os minutos e horas da vida,
em toda a eternidade,
no tempo e no contratempo.
Teu beijo
é terno e eterno,
sincero,
suave,
leal,
doce,
charmoso,
gostoso,
um beijo de amor!

Wanderlindo Arruda

novembro 07, 2005

Adormecidos


Em um recanto calmo, de um lugar qualquer
Corpos unidos pelo abraço forte, coração em ritmo louco
Lábios húmidos, ardentes, briga de línguas
Pernas que se roçam, desejo que aumenta
Mãos carentes, perdidas, aflitas
Procurando o melhor caminho para o prazer
Aos poucos se despem sem pudor
Corpos que se entrelaçam feito cobras
No chão as roupas em forma de ninho
Na espera dos amantes, pássaros sozinhos
Em sua nudez, mais sensações descobrem
Se roçam, se tocam, se deleitam
Deslizam em si mesmos, vão ao chão
Grudados, suados, em um só carinho
Esquecidos do tempo e do espaço, sem hora
No auge da agonia, em busca do êxtase total
Quem penetra é sugado, é lambido, é guardado
Entre manobras, suspiros, abraços
O prazer que faz estremecer, um grito é contido
Os corpos cansados, adormecem no sono mágico
De quem saboreou um doce pecado.

Kika Perez

novembro 06, 2005

Meu Coração Procura


Meu coração está em busca de outro coração...
Pode ser um coração já com feridas,
mas que possa curar as minhas.
Não precisa ser muito grande,
mas que eu possa me aconchegar
e estar sempre presente.
Que seja bondoso e me ensine a sorrir.
Que esteja pronto para o amor,
um amor verdadeiro sem limites.
Que finja não se abater com as amarguras da vida
e apenas saiba amar ainda mais.

Meu coração,
sofrido e medroso,
quer agora encontrar um coração forte,
que preencha com ternura e transmita segurança.
Um coração sem culpas e sem tempo,
que se permita doar-se inteiro,
que bata em uma só velocidade
com o meu coração.
Que simplesmente esteja procurando o amor.
que esteja disposto a viver muito tempo,
tempo ainda insuficiente para tão grande amor.

Meu coração não se cansa de procurar por outro coração.
Não desiste nunca, apesar das decepções.
É um coração teimoso e triste,
que só quer encontrar outro para amar...

Vilma Galvão

novembro 05, 2005

Esse Cara


Ah! Esse cara
Tem me consumido
A mim e a tudo que quis
Com seus olhinhos infantis
Como os olhos de um bandido
Ele está na minha vida porque quer
Eu estou pro que der e vier
Ele chega ao anoitecer
Quando vem a madrugada
Ele some
Ele é quem quer
Ele é o homem
Eu sou apenas uma mulher

Caetano Veloso

novembro 04, 2005

Via-Láctea


Era sonho ou vinhas mesmo
no dorso de um cavalo alado
e sobre a fronte trazias, luzindo
o diadema da inocência..?

Era sonho ou ouvi mesmo
o teu riso, ressonâncias de cristal
enchendo de luz e música
velhas cavernas cavadas na memória..?

Era sonho ou eu vi mesmo
gravado na Via Láctea do teu galope
o nome sacro por que te dás
ecoando para lá dos tempos..?

Ai, menino do diadema…
leva-me contigo nesse voo leve
leva-me e ensina-me todas as coisas
que eu sei que tu sabes

a beber nas fontes
das nuvens mais altas
colher estrelinhas p’ra fazer cristais
das gotas da chuva fazer outro mar
e no dorso branco do cavalo alado
sobre a Via Láctea
contigo brincar.

Ângela Santos

novembro 03, 2005

Canções


Envolve-me amorosamente
Na cadeia de teus braços
Como naquela tardinha...
Não tardes, amor ausente;
Tem pena da minha mágoa,
Vida minha!

Vai a penumbra desabrochando
Na alcova
Aonde estou aguardando
A tua vinda...
Não tardes, amor ausente!
Anoitece. O dia finda...
E as rosas desfalecendo
Vão caindo e murmurando:
– Queremos que Ele nos pise!
Mas, quando vem Ele, quando?...

António Botto

novembro 02, 2005

Serenata


Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silêncio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.

Cecília Meireles

novembro 01, 2005

Corpos


Das noites de néon que celebramos
perdura a chama
e queimam ainda meus lábios
as memórias
que não se dissolvem nos dias

Cada gesto novo
recomeça a viagem, a descoberta,
e no amplexo das tuas coxas, perdida
eu reencontro
os sons e os cheiros
num lugar qualquer de mim guardados,
antes de partir

Entre os meus e os teus olhos
estende-se a languidez cúmplice
decifrando sinais
de velhos amantes,

da tua à minha boca
a curta distancia
de um sopro vai
e tudo em nós se mistura...

em tuas mãos, o ritual do fogo se inicia
e cresce a lava do desejo
que nos arrasta
por entre sussurros e explosões

E é num mar de calmaria,
na embriaguez dos ópios naturais,
que nossos corpos
húmidos, quentes, saciados
desaguam.

Ângela Santos