março 31, 2006

Sentimento???

Quanto, quanto me queres - perguntaste
Numa voz de lamento diluída;
E quando nos meus olhos demoraste
Na luz dos teus senti a luz da vida.

Nas tuas mãos as minhas apertaste;
Lá fora a luz do Sol já combalida
Era um sorriso aberto num contrate
Com a sombra da posse proibida...

Beijámo-nos, então, a latejar
No infinito e pálido vaivém
Dos corpos que se entregam sem pensar...

Não perguntes, não sei - não sei dizer:
Um grande amor só se avalia bem
Depois de se perder.

António Botto

março 30, 2006

Teia de Aranha

Teci durante a noite a teia astuciosa
dum poema.
Armei o laço ao sol que há-de nascer.
Rede frágil de versos.
É nela que o meu sono se futura
Eterno e natural,
Embalado na própria sepultura.
Vens ou não vens, agora astro real,
Doirar os fios desta baba impura?

Miguel Torga

Envelhecer

Envelheço, quando o novo me assusta.
E a minha mente insiste em não aceitar.

Envelheço, quando me torno impaciente,
intransigente e não consigo dialogar.

Envelheço, quando meu pensamento abandona sua casa.
E retorna sem nada a acrescentar.

Envelheço, quando muito me preocupo
e depois me culpo porque não tinha
tantos motivos para me preocupar.

Envelheço, quando penso
demasiadamente em mim mesmo e
consequentemente me esqueço dos outros.

Envelheço, quando tenho a chance de amar e
deixo o coração que se põe a pensar:
Será que vale a pena correr o risco de me dar?
Será que vai compensar?

Envelheço, quando permito
que o cansaço e o desalento tomem conta
da minha alma que se põe a lamentar.


Dilene Maia

março 28, 2006

Alma em Flor

Primavera, romance no ar,
com indistintos rumores,
o vento improvisa
a valsa das flores
e me ponho a dançar
Bailando vou
nas asas do vento,
sentindo a volúpia
que passa a voar
deixando um murmúrio
de beijos no ar,
nas bordas do tempo,
na beira do mar.
E assim vou,
desfiando esses versos
a ver se emolduro
um sorriso nos lábios
de quem me sorri
e me faz amar.
Que seja esta primavera
de sonhos multicores,
a mais deslumbrante
da estação dos amores,
nos versos da vida
na alma das flores.


Maria Efigênia Mallemont

março 27, 2006

Fumaça

Você, tabaco, amante compreensivo,
Completa o tempo, se ele se demora,
Conserva o gosto, se ele vem, lascivo,
Consola o corpo, se ele vai-se embora.

Te satisfaz deixar-me insatisfeita
A desejar-te, tola, em toda hora,
Na carne que te traga e que suspeita
Que ao possuir-te a vida joga fora

Prazer sublime, sórdida maleita,
Subtil perigo, pão que me devora,
Amor fatal de quem já não me privo.

Não te desfaço, sou por ti desfeita,
Hostil amigo desse ser cativo,
Amável matador de quem te adora.

Patrícia Clemente



Hoje dei o 1º passo para deixar de fumar. Foi um dia comprido e complicado. Vai ser uma batalha diária de que espero sair vecedora!!! Mas tá a ser tão difícil :-(

março 25, 2006

A Flor do Sonho

A Flor do Sonho alvíssima, divina
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina.
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!...
Milagre… fantasia… ou talvez seja, sina…

Ó Flor, que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?...

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh’alma
E nunca, nunca mais em me entendi…


Florbela Espanca

março 24, 2006

A Bem da Verdade

...a bem da verdade,
poderia começar tudo de novo,
a mesma ilusão traiçoeira,
o mesmo gosto de conhaque,
a velha canção sem enlace...
mas não há outro começo,
o que passou não nos devolve o segredo,
não somos os mesmos,
estamos na arquibancada dos ausentes,
incoerentes como a farsa do gol impedido,
o grito preso na garganta,
o chicote,
a bala instalada nas artérias sem saída,
o peso morto da ilusão de um dia
ter as mãos enlaçadas nas tuas,
a solidão saciada,
a cumplicidade da dor compartilhada,
o motivo para sorrir,
verdadeiro...
a esperança de ver tudo por inteiro,
sem essa mania de fugir da verdade.

Nenhum outro começo sugeriria tanto sonho,
tanta vontade de ir adiante...
derrubar barreiras,
trocar de cidade,
se alimentar de carinho, promessas, instintos...
ser feliz por ser...
sem a marca da vitória social,
mas a nossa marca pessoal.

A alegria pelo entendimento,
o perdão pelo arrependimento
de termos nos descoberto tão depois...
depois da queda dos cabelos,
dos pensamentos ingénuos,
da fertilidade tão desejada,
da nossa vida sem sentido,
por tantas vezes negada...
depois de tanto esforço para se manter em pé
e sempre sozinhos,
carregando no peito
um certo sentimento de impotência,
talvez por um amor tão distante,
que além de inconstante, não é nada disso...


Angela Lara

março 23, 2006

Passemos, Tu e Eu, Devagarinho

Passemos, tu e eu, devagarinho,
Sem ruído, sem quase movimento,
Tão mansos que a poeira do caminho
A pisemos sem dor e sem tormento.

Que os nossos corações, num torvelinho
De folhas arrastadas pelo vento,
Saibam beber o precioso vinho,
A rara embriaguez deste momento.

E se a tarde vier, deixá-la vir...
E se a noite quiser, pode cobrir
Triunfalmente o céu de nuvens calmas...

De costas para o Sol, então veremos
Fundir-se as duas sombras que tivemos
Numa só sombra, como as nossas almas.


Reinaldo Ferreira

março 22, 2006

Meu Precioso Amigo


Quem será meu melhor amigo?
Nos momentos bons e maus
Sempre posso contar contigo
Tu nunca me deixas mal.

Sei que, às vezes, coisas faço
Que te deixam em descompasso.
Quero de ti bem cuidar
Porque sei que nunca me irás faltar.

É contigo que converso
Que divido sonhos, traições,
As alegrias, as tristezas,
As mágoas e as ingratidões.

Apenas uma coisa lamento,
Não podes falar comigo
E a todo e qualquer momento
Dar-me um conselho amigo.

Falta-me a tua opinião
De que, às vezes, tanto preciso
És, meu CORAÇÃO,
O meu tão precioso amigo!


Sueli Barbariz

Por Outras Palavras

Ninguém disse que os dias eram nossos
Ninguém prometeu nada
Fui eu que julguei que podia arrancar sempre
Mais uma madrugada

Ninguém disse que o riso nos pertence
Ninguém prometeu nada
Fui eu que julguei que podia arrancar sempre
Mais uma gargalhada

E deixar-me devorar pelos sentidos
E rasgar-me do mais fundo que há em mim
Emaranhar-me no mundo
E morrer por ser preciso
Nunca por chegar ao fim

Ninguém disse que os dias eram nossos
Ninguém prometeu nada
Fui eu que julguei que podia arrancar sempre
Mais uma gargalhada

E deixar-me devorar pelos sentidos
E rasgar-me do mais fundo que há em mim
Emaranhar-me no mundo
E morrer por ser preciso
Nunca por chegar ao fim

Mafalda Veiga